segunda-feira, maio 30, 2005

Copy Paste imperdível...

Amar não acaba - Frederico Lourenço
Parte 2 - 'prenda' de um grande amigo de sempre...


Amar não acaba é uma crónica pessoal sobre a adolescência, na qual Frederico Lourenço rememora, numa mistura desarmante de candura e humor, a descoberta da sexualidade e o consequente reajuste interior do papel da fé católica, as complexas relações familiares, a escolaridade feita por conta própria fora da escola, as primeiras grandes paixões musicais e a influência de Lanza del Vasto.

À medida que o tempo passa, a vida parece-me ir adquirindo os contornos esfumados do Embarque para Citera pintado por Watteau, paisagem feérica povoada de figuras irreais à espera do amor, como que saídas das páginas de um pequeno Saint-Simon do sentimento, cronista da emoção e de mim próprio.

Imprensa
“Uma pequena pérola ‘proustiana’, com um sopro de Clarice Lispector no título, para contar infância e adolescência em pequenos folhetins, com uma elegância exacta que já não se usa. Do pícaro avô da marinha mercante ao devaneio ‘hare krishna’, da descoberta da (homo)sexualidade à interrogação da igreja, passando pela Figueira da Foz (mas o que é que as pessoas da Figueira têm?), por Sintra e por São Carlos (Wagner, os bailarinos da CNB, Mara Zampieri). Abre-se para espreitar e de repente acaba. Difícil é não o ler.” Alexandra Lucas Coelho, Público

“Percursos iniciáticos, contados na primeira pessoa, por um especialista em cultura clássica, tradutor de Homero, além de outras surpresas. A descoberta da sexualidade, da espiritualidade hindu (rapidamente esquecida), da morte, da música e da amizade, num breve texto de extraordinárias delicadeza e ironia, criando um novo espaço de excepção no nosso panorama literário”. Expresso

--------------------------------------------------------------------------------

Frederico Lourenço nasceu em Lisboa, em 1963. Licenciou-se, em 1988, em Línguas e Literaturas Clássicas na Universidade de Lisboa, onde se viria a doutorar (1999) com uma tese sobre os cantos líricos de Eurípides. É membro do corpo docente da Faculdade de Letras desde 1990. Além do estudo da poesia grega, tem-se dedicado à exegese da obra de Platão e Camões. Colaborou com a Cinemateca Portuguesa na elaboração de textos sobre cinema e na feitura de vários catálogos. Publicou ensaios de crítica literária nas revistas "Journal of Hellenic Studies", "Classical Quarterly", "Euphrosyne", "Humanitas" e "Colóquio-Letras". Foi colaborador dos jornais Independente, Expresso, Público e, presentemente, da revista "Os Meus Livros". Traduziu também duas tragédias de Eurípides, Hipólito e Íon.
Publicou nos Livros Cotovia a trilogia de romances Pode um Desejo Imenso, O Curso das Estrelas e À Beira do Mundo, obras pelas quais foi distinguido com o prémio PEN Clube 2002. Em Maio de 2003, saiu a tradução em verso da Odisseia homérica, que ganhou o prestigiado Prémio D. Diniz da Casa de Mateus, assim como o Grande Prémio de Tradução - APT (Assoc. Port TRAD)/ PEN Clube 2003.
Actualmente, traduziu a Ilíada homérica, também em verso.

--------------------------------------------------------------------------------

Mas o motivo de falar deste livro... é tambem falar desta interessante entrevista que Fredericou Lourenço deu ao jornal Diário de Noticias de 12 de Dezembro de 2004.
Vale a pena a ler... e reflectir...

A ideia de amor ou o tapete mágico da imortalidade
Toda a sua obra tem-se construído sob o signo do amor. Amar não Acaba, acabado de publicar, a trilogia romanesca e muitos dos ensaios da Grécia Revisitada passam por aí. Como relaciona o amor com a felicidade?


Fazer do amor um assunto académico e universitário foi difícil. Falar dele num contexto romanesco, de ficção e de escrita criativa talvez seja normal, mas, em Grécia Revisitada tudo o que escrevi sobre Platão, o Banquete e Fedro, e mesmo sobre a tragédia, dir-se-ia uma tentativa de compreensão da mecânica amorosa, das emoções. É um tema que me obceca, talvez por sentir que aí está a chave da felicidade, não possível sem o amor.

Mas o amor é um caminho árduo...

Que tem de ser descoberto, devemos tentar abrir janelas como se o amor fosse o dia e nós estivéssemos às escuras. Mesmo o título deste último livro, Amar não Acaba, passa por aí. Mas este processo criativo foi irracional. Há, de facto, essa continuidade da temática amorosa, até quando penso em romances futuros. Tudo gira em torno de uma arqueologia das emoções.

Não deixa de abordar a intangibilidade da felicidade...

Todos nós temos momentos de felicidade, mas ela não é possível no sentido de uma beatitude total, de continuidade. Os gregos reuniam muitas coisas no conceito de felicidade, o amor não. A palavra que em grego significa felicidade é sinónima da que quer dizer riqueza. Para mim, felicidade sem amor não pode existir e este pode impor-se mesmo quando não está a acontecer no caso de um amor que venha de trás, ou que projectamos para a frente.

É uma Ítaca, o amor?

Sim, uma Ítaca, ou uma ideia de Deus. Sinto na minha vida o amor de Deus, se bem que não o mereça.

Sente esse amor como uma graça?

Sim, no sentido de ser algo inexplicável. Não entendo por que razão sinto a minha vida tão preenchida, tão acompanhada por essa presença divina. Mas sinto-a, muito.

Como liga essa presença divina ao estigma da caducidade a que o amor está associado, como diz Clarice Lispector?

Essa frase é talvez a única do livro perante a qual me interrogo. Será que a deveria ter reformulado? É Clarice quem diz amar não acaba...

Amar não acaba, mas o amor pode acabar. O amor, sobretudo o amor/paixão, não insere em si a perda?

Na minha experiência pessoal, nunca deixei de gostar das pessoas que foram importantes para mim. As relações foram evoluindo num sentido diferente. Tudo na vida está sujeito ao estigma da caducidade, só amar não acaba, não é? O amor dir-se-ia esse tapete mágico da imortalidade, ideia que pode aparecer em Platão, como uma força especial que nos pode levar do mundo sensível para o mundo inteligível. O caminho da transcendência, do divino, está nele também.

E há ou não o Grande Amor na acepção de Safo (como experiência cíclica, repetiva), o tal engano que a poesia greco-romana explorou?

Isso dava um romance. É difícil distinguir o que os gregos querem dizer, porque em grego eros quer dizer amor e sexo. Os autores gregos quando falam do amor e da paixão não se estão a referir à descoberta da pessoa certa. Fascinou-me no Banquete a ideia da procura da cara-metade por não se tratar de uma ideia profundamente grega que encontre eco no resto da literatura. Pode até ser interpretada como tendo sido apresentada por Platão a título paródico. Há quem considere o discurso de Aristófanes cómico e não será por acaso que o terá posto na boca de um comediógrafo. Mas é mais a partir dessa concepção, a da procura da outra metade, da associação da felicidade à plenitude quando encontramos a pessoa certa que amor e felicidade se juntam no ideário grego. No fundo, é só aí, como digo em Grécia Revisitada, porque no próprio Banquete Platão oscila entre as duas ideias do amor a acepção pré-romântica de Aristófanes e a do interesse sexual por outra pessoa.

Já o mito de Tristão dir-se-ia essa espécie de febre maligna que o lirismo ocidental cantou...

Trata-se do amor que só atinge a plenitude na morte. Tristão e Isolda é o mito por excelência do amor--morte eros, tânatos. Também não é uma ideia muito grega, nem que venha ao encontro da minha sensibilidade, embora seja fascinante. O que mais me interessa nesse mito é a pessoa por amor ser capaz de deitar tudo a perder. Foco esse tema de uma forma mais modesta em O Curso das Estrelas, quando Nuno e Concha estão na Capela da Arrábida. Nuno tem essa sensação de que seria capaz de pôr tudo em causa em prol dessa ilusão de amor. Só anos mais tarde, no À Beira do Mundo, se concretiza.

Aí pressente-se, não diria uma angústia metafísica, mas uma inquietação. Falamos de fé e não de religião?

Vejo o mundo com misticismo. Mas, tem razão, falo muito mais de fé do que de religião.

Existe uma ligação à transcendência que atravessa a sua obra, mas associada a uma desintegração da religião na qual foi educado, ou não?

Sim e não. Raramente vou à missa, mas passo muitas vezes por igrejas onde fico a rezar. Tenho, de facto, uma vivência da religião que está desadequada da convenção, da hierarquia, porque a minha sexualidade está em conflito com a maneira católica de a entender. O catolicismo tem muito a progredir nesse campo, embora seja mais aberto do que o cristianismo ortodoxo. Este último vê a homossexualidade como algo satânico. Condenação imediata ao inferno!

Viveu esse conflito, esse choque entre religião e sexo?

Ah, sim, eu adoraria ser católico praticante, ir à missa senão todos os dias, pelo menos uma vez por semana. A maior parte das pessoas que sai da Igreja é por falta de fé. Deixa de se acreditar. Nunca passei por isso. Vou envelhecendo e a fé vai-se consolidando.

Talvez por isso lhe tenha interessado explorar no romance a espiritualidade das relações interpessoais?

Isso interessa-me muito, as emoções, tentar cartografar como as pessoas sentem. Esse é o meu lado de psicólogo, de psicanalista que procura dar, ao mesmo tempo, uma dimensão espiritual.

Se Pausânias, no seu discurso, inclui o tema do amor celeste, exclusivamente homossexual, e considerando Aristófanes a heterossexualidade e a homossexualidade como igualmente naturais, não é só a questão da sexualidade que está em causa?

Claro que não, mas estamos a falar de sexo e de género. Pausânias, ao dizer que há um amor elevado e outro rasteiro, exclui a heterossexualidade dessa dimensão.

Mas essa não é a sua conclusão?

Não, a minha não, mas Platão tenta dizer que a prática verdadeira da filosofia é incompatível com a vida convencional. Todos os seres humanos são grávidos, uns do corpo, os que têm filhos, e os da alma, os homossexuais, que não constituem descendência. Diz depois que da gravidez da alma nascem a filosofia, os grandes poemas... Há uma tentativa de ver as coisas a preto e branco, uma falha a meu ver.

Muito misógina...

Sem dúvida. A cultura grega era misógina.

Há uma ligação entre a concepção helénica de beleza, de que fala em Deleite Estético, e o seu Pode Um Desejo Imenso. Amar também é ver?

Nuno age, perante a beleza de Filipe, como se ele fosse um objecto estético. Na história de Nuno e Vicente, que acaba no À Beira do Mundo, não é assim. Não será tanto a questão do ver que importa. Filipe, por outro lado, já está desfigurado pela doença, o que demonstra a escada do amor platónico. Nuno começa por se fascinar perante a beleza de Filipe, este vai ficando desfigurado, mas amar não acaba.

Faz todo o sentido ligar-se a experiência amorosa da sua trilogia ao Banquete, de Platão...

Claro que faz, sobretudo quanto à escada do amor. No Pode Um Desejo Imenso, pus esta questão na boca de várias personagens. Trata-se de uma caminhada em que a verdadeira beleza não é a física, mas a anímica, a da alma.

Este último livro, centrado na adolescência, embora escrito depois, dir-se-ia um embrião da trilogia...

Talvez porque seja natural, para os leitores, confundir Nuno Galvão com Frederico Lourenço. No fundo, o Frederico do Amar não Acaba pode ser o Nuno adolescente.

Detém-se neste seu livro também na descoberta e vivência da sexualidade, em particular da homossexualidade. Ainda existem guetos para ela? Como é a condição do homossexual?

Nunca senti a minha liberdade coarctada, mas não sou a melhor pessoa para falar nisso. Vivo, no quotidiano, num ambiente quase cem por cento heterossexual.

Não estou a falar de lobbies, mas de guetos... Da exclusão.

Sim, isso sim, há pessoas que sofrem por serem excluídas do mundo heterossexual, eu não. Se trabalhasse num banco, ou na tropa, talvez fosse diferente. Na Universidade, nunca o senti. Mas sei que existe esse tipo de discriminação. Sou, de alguma forma, um privilegiado, familiar e profissionalmente.

Sente-se excluído da Igreja Católica?

A Igreja Católica não entende a homossexualidade, como a sociedade e a própria comunicação social. Há ideias estereotipadas. Um pai e uma mãe têm de lidar com esse estigma porque foram educados no preconceito. Nos países do norte da Europa, nas cidades é uma coisa, nas aldeias outra. Em Munique, os casais andam de mão dada, numa aldeola dos Alpes bávaros não. Não acredito que a sociedade alguma vez mude radicalmente.

Os seus últimos anos foram dedicados a Homero. Traduziu a Odisseia, está a traduzir a Ilíada. Homero eclipsa-se, no entanto, dele pouco se sabe, enquanto Ulisses simboliza a condição humana...

O mais interessante não é saber quem foi Homero, mas o texto. Dediquei os meus últimos anos a Homero e farei ainda um comentário à Odisseia, canto a canto, após a tradução da Ilíada, mas o texto poético da Odisseia é tão arrebatador que não tem de se explicar tudo. Funciona como poema que não foi concebido para ser estudado e lido à lupa como fazemos hoje. Continua a ter essa força.

No fundo, está lá tudo, a dor, o luto, a memória, o sofrimento, a ausência...

O amor, as relações familiares, a viagem. Talvez a Ilíada seja um poema mais profundo do ponto de vista da tragicidade da vida humana. E Homero, como corifeu da tragédia, tem essa dimensão, a da caducidade da vida. O desdém dos deuses pelos homens é impressionante. Diz um deus a outro que, de todas as coisas que rastejam sobre a Terra, nenhuma é mais abjecta do que o ser humano, porque tenta imitar esse lado divino. A ideia de que há uma centelha divina nos seres humanos diz-me muito.

Na Ilíada há uma maior dramaticidade do que na Odisseia, par a par com a faceta bélica?

Ambos os poemas são dramáticos, mas a Ilíada talvez seja um pouco mais; diria mesmo trágica. É mais densa, mais profunda e abrange muitas áreas da vida humana. Caminha para o lado mais escuro, o da vida tendo como fim a morte.

Temos falado de sentimentos. Acha que o seu processo de manifestação muda da Odisseia para a Ilíada?

Os sentimentos da Ilíada são mais avassaladores, mais profundos, talvez porque a morte esteja presente em tudo. Não que isso não aconteça na Odisseia, porque culmina com a carnificina dos pretendentes por parte de Ulisses, mas aqui a morte é mais cinematográfica. Na Ilíada, a morte dá a tónica à vida, à relação entre marido e mulher, pai e filho, entre amigos... É o elo, aquilo que define os sentimentos.

Como encara o acto de traduzir? Há um lado técnico, que supera uma poética, ou não? Como concilia técnica e arte?

Na tradução de Homero, o mais importante é a técnica, porque tem de haver uma coerência e uma consistência muito grandes na linguagem. Inventei uma dicção em português para imitar a dicção homérica na Odisseia. Na Ilíada, segui o mesmo caminho. Tenho pouca liberdade, porque devo obedecer às regras que eu próprio inventei. Gostaria que quem não tem possibilidade de ler Homero na língua original estivesse na tradução portuguesa o mais perto possível do texto em grego. Isso não tem a ver com inspiração. Depois há o lado mais irracional, a musicalidade das palavras.

Frederico Lourenço é um ficcionista, não um poeta. Não sente a ausência desse lado quando está a traduzir?

Quando estou a traduzir Homero sou um poeta. Um poeta para essa finalidade. Um helenista e um poeta, sou um pouco o autor-poeta da tradução da Odisseia e da Ilíada.

Então não há uma oposição entre criador e tradutor? É como tocar um instrumento, tocou piano, toca cravo...

Tentei que essa oposição fosse a menor possível, que a poesia se sobrepusesse à disciplina, mas, como num instrumento, tem de haver a técnica e a arte. Não chegam a musicalidade e a inspiração. Aprendi muito com o piano e a música, sobretudo a ter capacidade de trabalho e disciplina.

Há um desejo de assimilação e de transformação no tradutor?

Pode existir essa tentação. A assimilação é necessária, tenho de interiorizar o texto homérico, para não fazer apenas uma tradução correcta. A transformação é a tentação de mudar alguma coisa. Isso é inevitável. Não emprego uma linguagem pseudoquinhentista, pseudocamoniana. Os meus modelos foram muito mais Sophia, Ruy Belo, Eugénio...

Que lugar ocupa a leitura na sua vida?

O número um. A leitura só dá prazer, a escrita dá muito sofrimento.

Que lhe agrada num escritor?

Tem de ter uma estética interessante. Se for português, que escreva a língua portuguesa de uma maneira que me dê esse prazer que sentimos quando ouvimos música. É difícil existir, num romance, uma história aliciante contada num português feio.

Viver é perigoso, escreveu, um dia, Virginia Woolf, escrever também, disse Clarice Lispector. Vida e escrita funde-as como?

Nessas duas autoras, a vida e a escrita não estão separadas, então em Clarice isso é evidente. Não a vida vivida por fora, mas por dentro. Clarice levou a língua portuguesa ao âmago das coisas. A escrita da Virginia é mais atenta ao que se passa ao nível da percepção exterior. Quanto a mim, vida e escrita fundo-as nos livros. Tenho dificuldade em escrever sobre coisas que não me interessam directamente. Só consigo trazer cá para fora o que está dentro de mim. Tenho de me pôr a mim próprio no centro. A minha vida e a minha escrita estão totalmente entretecidas.





Posted at 10:33 am by lights

www.interzone.blogdrive.com

Lugar interessante...


Escreva!

Escreva!


Eu sei...
O tempo é difícil de ser encontrado...
A mente segue um caminho e o corpo outros horizontes...

Sinto, apenas...